Você já se pegou pensando porque regiões como a Serra Gaúcha e a Serra Catarinense fazem bons vinhos? Talvez tenha a ver com o clima, certo? Talvez, mas não só. E o Vale do São Francisco, uma região relativamente árida, como produz bons vinhos? Controle de irrigação? Talvez. Mas não só. E o tal do estresse hídrico?
Este é um texto um pouco mais técnico, mas se você gosta de vinho, tenho certeza que vai gostar de aprender como a videira enfrenta as mudanças de clima e no que isso influi no vinho que você compra e bebe.
Por que a videira precisa de água?
Uma das respostas que podemos pensar é: fotossíntese.
Todas as formas de produtos da videira (uvas, passas, sucos, vinho e álcool destilado de vinho) têm origem nos açúcares produzidos nas folhas por um processo conhecido como fotossíntese.
Esse açúcar, formado a partir das folhas da videira, representa a fixação do CO2 atmosférico na forma de carboidrato e está, agora, disponível para o crescimento de todas as partes da planta e para a produção dos frutos.
E o que influencia o bom andamento, ou não da fotossíntese?
Fatores externos como luz, temperatura e umidade do solo, estresse hídrico e fatores internos como patrimônio genético, idade e número de folhas afetam a atividade fotossintética e, consequentemente, a produção e a qualidade dos frutos da videira.
Uma vez que a qualidade da fotossíntese (alimentação da planta) está diretamente ligada à qualidade da uva, para que seu vinho tenha qualidade, essa parte do processo deve ocorrer bem.
No entanto, vamos ao estresse hídrico.
Quando a água se torna vinho?
A água é essencial para que todos os seres vivos existam, dentre estes seres, encontram-se também as videiras. Logo, a água pode ser um recurso capaz de limitar a produção vitícola.
E o estresse hídrico?
O termo estresse hídrico indica que o conteúdo de água na planta caiu abaixo do valor ótimo, causando distúrbios metabólicos.
Quando isso acontece, a planta começa a responder de acordo com a situação. Exemplos disso são:
- Decréscimo da produção de folhas
- Murchamento das folhas;
- Dificuldades na absorção de nutrientes do solo, entre outros.
A ocorrência de uma deficiência hídrica moderada poderá resultar em redução do crescimento e da produção, enquanto que, um déficit prolongado, poderá acarretar a perda total da produção, por isso, água e luz são essenciais para a produção de bons vinhos!
Bom, a videira como um ser que vive, também tem sentimentos! E um deles é o estresse. Então o que o estresse pode causar?
No caso do hídrico, ele pode agir nas folhas. Causando aberturas ou fechamento dos estômatos (que funcionam como poros) das folhas, é por esses pontos onde ocorrem os processos de transpiração da videira. O fechamento parcial do poro estomático pode resultar em um aumento na eficiência no uso da água, ou seja, o volume de água transpirada por quantidade de matéria seca produzida (tudo o que não é verde ou fruto, exemplo: galhos).
Mas por outro lado, a redução da abertura estomática e consequentemente da transpiração, poderá provocar um aumento na temperatura das folhas.
E esse aumento na temperatura das folhas, causa problemas?
A depender da sua intensidade o aumento na temperatura das folhas poderá causar distúrbios metabólicos, além de danos físicos irreversíveis às folhas (nunca esqueça, a folha é a parte verde, onde fica a clorofila, que com a luz vira açúcar, por isso ela é tão importante neste processo).
E como se reconhece uma videira em estresse hídrico?
A sintomatologia de deficiência hídrica apresentada pela videira, durante a fase vegetativa, é dependente do estágio do crescimento no qual o déficit ocorre e da intensidade do mesmo.
O primeiro sintoma visível de estresse hídrico é o murchanento das folhas e gavinhas mais novas.
A persistência deste fenômeno poderá provocar o aparecimento de áreas necrosadas nas folhas, especialmente nas folhas basais, fazendo com que elas percam sua atividade e caiam. Além disso, o estresse hídrico provoca reduções no diâmetro do tronco, o qual é muito sensível à deficiência hídrica.
A diminuição do crescimento dos ramos em função do estresse hídrico, poderá ainda provocar outros efeitos negativos. Por exemplo, a consequente redução da área foliar irá diminuir a capacidade fotossintética das plantas, além de expor as bagas aos efeitos da radiação solar direta.
O crescimento reprodutivo (dos frutos) da videira é menos sensível ao estresse hídrico do que o crescimento vegetativo. Estudos demonstram que o estresse hídrico reduz a produção mas, a extensão do dano, depende da intensidade do estresse e em que fase de desenvolvimento das bagas a falta de água ocorreu. Entretanto, a ocorrência de um estresse hídrico nas três primeiras semanas após o início da floração causa uma redução bastante acentuada na produtividade, visto que nesse estágio, há maior necessidade da disponibilidade de água na planta, para que exista energia necessária para a formação das bagas.
A falta d’água durante as primeiras semanas após a frutificação provoca reduções no tamanho das bagas. E há quem sugere que a diminuição na produtividade da videira ocorre em função da reduções no peso dos cachos, e não pela redução no número de cachos por planta.
Este fato é consequência da redução no peso das bagas e, em menor escala, da diminuição do número de bagas por cacho.
Logo não vale sempre dizer que a planta tem que produzir poucos cachos ou muitos, mas sim levar em conta o peso destes. Não adianta o produtor dizer “precisamos colher 5 cachos por planta, para que tenhamos um bom vinho”.
A videira é mais prejudicada quando o estresse hídrico ocorre durante a fase de pré- amadurecimento da uva do que durante a fase de amadurecimento propriamente dita. Além disso, o estresse hídrico altera a concentração de açúcares (o futuro álcool no seu vinho), antocianinas (importante na coloração) e ácidos orgânicos nas bagas (os ácidos podem influenciar na destinação do vinho, de consumo rápido ou de guarda, além da caracterização do futuro bouquet).
O estresse hídrico pode ser bom para o vinho?
Pode! Entretanto, a intensidade das alterações observadas na literatura disponível é bastante variável. Estas diferenças podem ser consequências da variação no nível de estresse imposto, ou época.
Por exemplo, um estresse moderado geralmente acelera a maturação das bagas e melhora a qualidade do vinho produzido.
No exemplo acima, vimos que o estresse hídrico pode ser algo positivo na produção de um bom vinho, lembrando que isso ocorre quando o estresse vem na medida e época certa.
Contudo, não só o estresse hídrico tem esse poder, há muitas outras variáveis envolvidas.
Por esse motivo, não é tão fácil assim caracterizar um terroir, e que nenhuma variedade se comporta igual em lugares distintos. E nunca esqueça, um bom vinho é feito no vinhedo, não há enólogo honesto que faça um vinho bom de uma uva sem qualidade. Se você gostou do assunto, visite este artigo no site da EMBRAPA e saiba um pouco mais!
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Até a próxima. Santé!